A RELAÇÃO ENTRE A PORTAGEM, O CERIEIRO E A ALEGRIA
Os topónimos “Portagem” e “Cerieiro”, ao contrário do que seria expectável, não aparecem nos primeiros Tombos concelhios.
Os aforamentos feitos nestes dois locais poderão ser mais tardios, existindo, no entanto, anteriormente a esta data, um aforamento régio que depois acaba por se transformar em concelhio.
Das origens da Portagem de Coimbra só sabemos, através de um documento de meados do séc. XV, que teria existido uma “Portagem velha”.
Também não podemos assegurar que a Portagem tivesse sido sempre um recinto fechado, sendo de crer que, no final do séc. XIV, a barbacã fernandina poderá ter-se entreposto entre ele e o complexo da Porta de Belcouce, podendo ter cortado o acesso directo (na perpendicular) do rio ao arco triunfal romano.
O muro da Portagem ligar-se-ia à muralha na torre da antiga igreja do Colégio da Estrela, sobrepondo-se-lhe o “rossio”, onde se posicionaria a Torre do Engenho.
O espaço identificado quase desde sempre como Portagem sofreu, ao longo do tempo, inúmeras transformações tanto físicas, como na sua génese. Com um tamanho muito reduzido relativamente ao actual, mais alcandorado sobre o rio, com uma inclinação acentuada e uma forma irregular, a Portagem medieval seria um recinto fechado por muros no qual, em tempo de paz, se inspeccionavam todos os géneros que entravam na cidade, cobrando-se o direito de entrada, normalmente em espécies, o que acarretava a necessidade de armazenamento nas proximidades.
Existia um curral do concelho nesta área, aforado, em 1419, a um çiireyro, passando, desde aí, e por essa razão, a designar-se por “Cerieiro”.
A partir de 1306, D. Dinis tinha voltado a chamar ao poder régio os direitos cobrados na portagem de Coimbra, até à data na posse dos freires do Templo. Tratando-se do principal eixo viário do reino, não pude deixar de me interrogar sobre a razão de aquela Ordem ter em seu poder tão importantes direitos.
A Portagem, bastante mais exígua, à época, a nível de espaço mostrava-se praticamente estanque, mas no campo económico aduzia uma grande dinâmica, pelo que o atravessamento daquela zona, quando gratuito, só serviria para aumentar a confusão não acarretando nenhum benefício. Outra razão justificativa da deslocação de uma percentagem significativa dos viajantes em trânsito prendia-se com a necessidade de transporem a incómoda e pouco racional subida, acompanhada da consequente descida, para alcançarem as terras situadas a norte da cidade. A existência de percursos alternativos, mais nivelados e mais cómodos, resultantes de uma inflexão à esquerda feita na torre da Ponte, facilitava, aos viajantes, a travessia da cidade.
O recinto era, pois, relativamente pequeno, inclinado, apertado e com poucas ligações com o espaço envolvente. Uma dessas ligações passaria uma porta aberta no muro, a sul, por onde se processava a entrada e a saída de quem circulava no caminho da Via Longa, permitindo igualmente o controlo da entrada de géneros por esta via terrestre. Esta porta não ocuparia ainda o local onde mais tarde veio a existir o arco setecentista da Alegria, pois nesta altura o caminho situava-se numa cota muito baixa, ficando provavelmente intransitável em épocas de cheias. Este caminho teria sido desviado, provavelmente, para um ponto mais alto, aquando da construção da barbacã, em finais do séc. XIV e, depois, após as obras manuelinas, para outro ainda mais alto, situado já próximo da zona do arco da Alegria.
A fotografia da Portagem que está abaixo é, obviamente, muito mais tardia, de cerca de 1856.
(Cap. 9.1.1. em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/31013 )
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