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Porta Nova - I

Updated: Mar 29, 2020



UMA ENORME PROPRIEDADE DA COMUNIDADE JUDAICA AO REDOR DOS MUROS DA CIDADE E A FONTE DOS JUDEUS


Existiu, em Coimbra, uma grande propriedade que, ao redor da Cerca de Almedina, a norte e a nascente, tinha sido pertença dos Judeus, mas da qual o povo sempre se servira livremente.


Uma vez que essa propriedade acompanhava os muros da cidade, os documentos que a descreviam (num processo litigioso que envolveu o concelho e um particular) continham dados importantes para a compreensão da fortificação, objecto de estudo.


As descrições forneciam muitas indicações sobre o desenho “urbano” junto à fortificação da cidade, sobre a localização exacta da Fonte Nova e sobre a forma como os Judeus se movimentavam dentro da urbe, coexistindo de forma pacífica com os restantes moradores a ponto de se servirem do mesmo terreno como rossio, o que faz com que as interligações entre culturas possam acarretar ainda algumas surpresas.


Após terem sido extintas as judiarias, em 1496, esse terreno voltara à posse régia e o rei vendera-o ao escudeiro Pêro Álvares de Figueiredo , mas o Concelho reclamava, igualmente, essa posse, alegando que o povo sempre o utilizara como rossio. E mais tarde, foi ainda este terreno que motivou conflitos entre D. João III e a cidade, acerca da cerca jesuíta. Seguramente que não se tratava de um qualquer terreno, como se pode deduzir a partir dos graves problemas que sempre suscitou.


Para evitar um desfecho imprevisível na Justiça, a 9 de Maio de 1520, a Câmara chegou a acordo com Pêro de Figueiredo, sobre a posse da ladeira e terra que ia dos muros de Santa Cruz até à calçada da Porta do Castelo, ladeira essa que fora "allmocovall e jaziguo dos judeus desta cidade" .


Se a cidade ficava com a área a sul (que deveria manter-se para sempre "rossio público") entre os muros da cidade e a futura estrada de Entre Muros (marcação a amarelo sobre a planta de 1845 - 2ª imagem), Pero Alvarez ficaria com a área, a norte, entre a estrada mais tarde designada de serventia da Fonte Nova e a estrada para Eira de Patas (a futura estrada de Entre Muros) (marcação a verde sobre a planta de 1845 - 2ª imagem). Os vereadores tinham bem a noção da disparidade deste contrato e não o escondiam, não se coibindo de dizer que "das vynte partes ficava a çidade as dezanove e que ficava ao reo a huma parte".


O “chão” [terreno] que estivera em disputa estendia-se desde a Porta do Castelo até à zona da capela do Corpo de Deus (marcação a roxo sobre a planta de 1845 - 1ª imagem). As descrições das suas extremas (percurso que ainda pude seguir na planta de 1845) fornecem indicações sobre a fortificação na zona da rua da Couraça dos Apóstolos, da cerca do Colégio Novo e da Porta Nova, bem como da envolvente urbana, a norte e a nascente, da Cerca de Almedina, permitindo, até, a localização da Fonte dos Judeus (à época).


As extremas dão uma ideia da enorme extensão, de tal forma que custa a acreditar que fosse, na totalidade, terreno pertencente à Judiaria (Velha) ou aos Judeus da cidade,


O seu eixo central localizava-se a sul da actual avenida Sá da Bandeira, paralelo a esta, e incluía, nomeadamente, o cemitério judaico (almocávar) e a Fonte Nova (ou Fonte dos Judeus).


A descrição começa numa porta designada “do Mosteiro de Santa Cruz”, avançando pela periferia do terreno até terminar na “Porta Nova”, podendo esta referência sugerir a possibilidade de se tratar da mesma porta. No entanto, outros documentos apontavam em sentido diferente, obrigando-me a questionar se, afinal, não estaríamos frente a duas portas muito próximas uma da outra e tão só sequenciais no que respeita a esta descrição.


Já no que toca a outras questões, o documento de 1520 esclarece, de forma clara, a inexistência, no séc. XVI e na época medieval, de qualquer outra porta da cidade erguida entre a Porta do Castelo e a Porta Nova.


Como seria de prever, no Tombo de 1532 volta a figurar a mesma propriedade ("um rossio da cidade que se chama Rebela que he destinado a uso ppublico pera pasto de boys e bestas e outro gado meudo"), mas referindo alguns pormenores adicionais relativos à Porta Nova. Pela primeira vez, encontrei a designação de Porta Nova de São Martinho da Eira de Patas, sinal que a Porta fora aberta essencialmente para facilitar o acesso à estrada designada de São Martinho da Eira de Patas. Agora o proprietário passara a ser Nicolau Leitão e a cidade continuava a ter a possibilidade de usar "o bregio que esta aRiba da orta do dito moesteiro que parte cõ os emgenhos do dito nycolao leytam".


Assim, pelas descrições do séc. XVI, percebe-se que a primitiva Fonte dos Judeus ou fonte Nova não estaria nos locais descritos nos inícios do séc. XX, nem tão pouco no séc. XIX, mas sim um pouco mais para nascente, a uma cota mais elevada. Situava-se, provavelmente, num espaço aberto que ainda se pode ver na planta de 1845 e corresponderia a um terreno alagadiço existente no lado norte da futura estrada de Entre Muros (círculo a azul sobre a planta de 1845 - 3ª imagem). Esta via seria uma das duas, sensivelmente paralelas, que existiam no terreno, mais concretamente, a que se desenvolvia a uma cota mais baixa, mais próxima do rio (ou ribeiro) que corria no vale da Ribela.


No entanto, a proximidade (relativa) de um outro chafariz que estava "jumto da arqua por omde se toma a agoa pera o chafaris de samsaão" poderá ter originado, posteriormente, uma transferência de local e de nome. Não existindo já Judeus, o topónimo “Novo” ganharia outro significado e, assim, o topónimo de “Fonte Nova” passou a identificar outro chafariz mais próximo da “Porta Nova” e do “Colégio Novo”.


Poderá parecer supérfluo, o conhecimento do local da primitiva fonte dos Judeus, no entanto, revelou-se extremamente importante, uma vez que se trata de uma referência constante na documentação, permitindo, nomeadamente, a localização mais precisa de elementos da fortificação de Coimbra.


(Cap. 6.4.1. em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/31013 )





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