LOCALIZAÇÃO DA FONTE DOS JUDEUS E DO ALMOCÁVAR (CEMITÉRIO JUDEU)
A "Fonte dos Judeus", na época medieval (diferente da actual), tal como o "almocávar" (cemitério) situavam-se numa enorme propriedade da comunidade judaica que acompanhava os muros da cidade, pelo exterior, a norte e a nascente.
No séc. XVI, em Coimbra, acompanhando a Cerca de Almedina a norte e a nascente, ainda existia uma propriedade muito extensa referida como "resios que estam a redor dos muros da cidade" (assinalado a roxo sobre o extrato da carta de 1845 de Isidoro Baptista). Tinha sido pertença dos Judeus, mas o povo sempre se servira livremente dela, como rossio.
Estendia-se desde a Porta do Castelo até à zona da capela do Corpo de Deus. As descrições das suas extremas (percurso que se pode seguir na planta de 1845) fornecem indicações sobre a fortificação na zona da rua da Couraça dos Apóstolos, da cerca do Colégio Novo e da Porta Nova, bem como da envolvente urbana a norte e a nascente da Cerca de Almedina, permitindo, até, a localização da Fonte dos Judeus (à época).
Após terem sido extintas as judiarias, em 1496, esse terreno voltara à posse régia, para pouco tempo depois ser vendido a um particular. Pêro Álvares de Figueiredo comprou-o em 1500, em praça pública, "a ladeira e terra dos muros de Santa Cruz até à calçada da Porta do Castelo que foi almocávar e jazigo dos judeus desta cidade", mas o Concelho reclamou essa posse, alegando que o povo sempre o utilizara como rossio.
Não se tratava, assim, de um qualquer “chão”, como se pode deduzir a partir dos graves problemas que sempre suscitou. O seu eixo central localizar-se-ia a sul da actual avenida Sá da Bandeira, paralelo a esta, e incluía, nomeadamente, o cemitério judaico ("almocávar") e a Fonte Nova ou Fonte dos Judeus.
A descrição começa numa porta designada “do Mosteiro de Santa Cruz”, avançando pela periferia do terreno até terminar na “Porta Nova”, podendo esta referência sugerir a possibilidade de se tratar da mesma porta. No entanto, outros documentos apontavam em sentido diferente, obrigando a questionar se, afinal, não estaríamos frente a duas portas muito próximas uma da outra e tão só sequenciais no que respeita a esta descrição, o que acabou por se verificar.
Já no que toca a outras questões, o documento de 1520 esclarece, de forma clara, a inexistência, no séc. XVI e na época medieval, de qualquer outra porta da cidade erguida entre a Porta do Castelo e a Porta Nova.
Esta última Porta é, também, designada na documentação por “Porta Nova de São Martinho da Eira de Patas”, significando, talvez, que fora aberta para facilitar o acesso à estrada com o mesmo nome (futura estrada de Entre Muros).
A Fonte dos Judeus situava-se, provavelmente, num espaço aberto (círculo a azul) que ainda se pode ver na planta de 1845 e corresponderia a um terreno alagadiço existente no lado norte da futura estrada de Entre Muros. Esta via seria uma das duas, sensivelmente paralelas, que existiam no terreno, mais concretamente, a que se desenvolvia a uma cota mais baixa, mais próxima do rio (ou ribeiro) que corria no vale da Ribela.
A localização da fonte original seria, aproximadamente, onde hoje está uma das ruas tansversais da Avenida Sá da Bandeira (abaixo do TAGV), mas muitos metros abaixo do nível de hoje... Muito mais tarde foi deslocada para junto do mercado do peixe, mantendo-se o nome. Há alguns anos passou para a posição onde está hoje ! (claro que o chafariz da foto está longe de ser o medieval, é de 1725...)
Quanto ao cemitério judeu é seguro que se situava, igualmente, na referida propriedade pois o documento não deixa dúvidas, mas desconhece-se o local exacto.
A carta de demarcação da referida propriedade também alude ao cemitério próprio da comunidade semita (o “almocávar”) que se situaria fora do seu bairro, de acordo com os seus hábitos culturais, algures na enorme propriedade que lhes pertencia, não tendo aparecido quaisquer vestígios.
Talvez estivesse no local onde, mais tarde, veio a existir o cemitério do hospital da Conceição. Com tal sobreposição seria muito difícil detectá-lo, para além de haver tendência a sacralizar esse tipo de utilização, mesmo que por culturas com identidades diferentes, tendo sido o único local onde apareceu uma grande quantidade de ossadas (ao cimo da rua Padre António Vieira).
Além disso, segundo o Doutor Saúl Gomes, as lápides do cemitério judeu terão sido compradas. Talvez isso tenha acontecido para evitar profanações mas, a ser verdade, as ossadas do antigo "almocávar" ficarão eternamente escondidas sob as do cemitério da Conceição, a menos que se faça uma sondagem em profundidade para o confirmar ou desmentir. Fica o desafio!
(Cap. 6.4.1. em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/31013)
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