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Rua da Cruz

Updated: Sep 6, 2020



A imagem retrata a zona da ponte, junto à Portagem, da Coimbra de final do séc. XIV, inícios de XV. Das origens da Portagem de Coimbra só sabemos, através de um documento (séc. XV), que teria existido uma “Portagem velha”, talvez relacionada com o facto de, em 1306, D. Dinis ter voltado a chamar ao poder régio os direitos cobrados na portagem de Coimbra, até à data na posse dos freires do Templo.


A Portagem, bastante mais exígua, à época, a nível de espaço mostrava-se praticamente estanque, mas no campo económico aduzia uma grande dinâmica, pelo que o atravessamento daquela zona, quando gratuito, só serviria para aumentar a confusão não acarretando nenhum benefício. Outra razão justificativa da deslocação de uma percentagem significativa dos viajantes em trânsito prendia-se com a necessidade de transporem a incómoda e pouco racional subida, acompanhada da consequente descida, para alcançarem as terras situadas a norte da cidade. A existência de percursos alternativos, mais nivelados e mais cómodos, resultantes de uma inflexão à esquerda feita na torre da ponte, facilitava, aos viajantes, a travessia da cidade. Nesse eixo (rua da Cruz e rua do Cais ou rua de S. Bartolomeu ao Cais), encontrava-se à direita, a cerca de 17.00m de distância da torre, um antigo crucifixo, um símbolo marcante que serviu muitas vezes de ponto de referência.


Nesta época (séc. XIV-XV), a acumulação de areias nas margens, após um século de fortes cheias, estaria já a complicar a passagem, para norte, na porta sob a torre da ponte afonsina. Por essa razão, foi feita uma serventia provisória, uma ponte de madeira, permitindo o desvio antes da entrada na torre. O recinto da Portagem, protegido pelos muros, teria sido menos afetado pelas areias do rio do que o caminho para norte. Este iniciava-se próximo do cais, imediatamente a jusante da ponte, acompanhando um muro (com cerca de 17m de desenvolvimento) que partia da própria torre e, na época retratada, já estaria soterrado. Também o curral do concelho, entre o muro da Portagem e o rio, devia apresentar uma inclinação cada vez mais acentuada, acabando por ser aforado, em 1419, a um “çiireyro”, passando, desde aí, e por essa razão, a designar-se por “Cerieiro”.


Como muitas vezes o provisório se eterniza no tempo, cerca de um século mais tarde a ponte de madeira ainda se mantinha em uso, quando D. Manuel, em 23 de Janeiro de 1515, dois anos após a reparação e ampliação da ponte, resolve encarregar Fernão de Sá, oficial régio, da construção duma serventia definitiva que deveria ser tão larga como a dita ponte de madeira, pois que a nova torre já não disporia de uma porta para norte. A elevação do tabuleiro fora de 5.06m, pelo que o referido muro da torre afonsina ainda lá existiria, a um nível mais baixo. Quando Fernão de Sá tentou construir um “paredão” para conseguir uma largura idêntica à fornecida pela ponte de madeira, implantou-o demasiado afastado da margem e desabou por falta de travamento. Aflito por não ter conseguido cumprir as ordens do monarca, e lembrando-se da possibilidade de utilização do antigo muro que, alteado e alargado, permitiria o travamento em falta, implorou uma reunião de imediato, no local, com os vereadores. Reuniram-se, então, no Crucifixo, próximo da Portagem, para estarem posicionados em frente do local em que seria feita a obra e onde existiria, também, e provavelmente desde há muito, um cais a jusante da Ponte, no qual terminaria esse mesmo muro. Aí poderiam, com mais clareza, avaliar todas as implicações no que respeitava ao atravessamento da ponte, à entrada ou ao desvio da Portagem e ao controle do acesso ao cais.


O posicionamento exacto do Crucifixo é dado por dois alinhamentos, constantes de dois documentos, um deles, o que temos vindo a analisar referindo a parede que se faria ao longo do rio e que acabaria no alinhamento do “croçofiçio que hy esta he mais nam” e, outro, o que respeita ao aforamento de uma área na portagem ao cavaleiro Vasco Ribeiro em 1522 que menciona que o aforante faria casas cujo alinhamento a sul era “des em direito donde esteve o crucifixo”. Como sabemos onde terminava o muro e o local em que se erguiam as referidas casas é possível localizar o crucifixo. Este estaria no ponto onde se cruzavam os dois alinhamentos que se relacionam com aqueles dados (partindo do pressuposto que se tratava do mesmo crucifixo). Pelos textos, o crucifixo ainda estava nesse local em 1515, mas em 1522 já havia sido retirado e, muito provavelmente, deslocado para lugar junto a S. Francisco. Talvez houvesse a intenção inicial de que o crucifixo se mantivesse no mesmo sítio, em espaço público, propósito que não terá vingado quiçá pelo anterior caminho ter deixado de existir ou por existirem outros espaços mais dignos nas proximidades, nomeadamente na sequência das obras ordenadas, em 16 de Outubro de 1517, pelo monarca que mandou que do dinheiro que cresceu da obra da Ponte “se corrija o rossio na entrada da dita ponte e se faça o caminho da Coiraça”. E se o “caminho da Coiraça” nesta época é, seguramente, a chamada “couraça manuelina”, só em parte, ao que creio, sobreposta à anterior “couraça nova”, já o rossio tanto poderia ser o de Santa Clara como um espaço anexo à tal serventia, mas creio que o crucifixo passou para o local onde se veio a construir o “O” da ponte, entre os conventos de S. Francisco e o de Santa Ana.


(Capítulo 9.1 de https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/31013 )


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